quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Tem um elefante voando


Estou repassando esse artigo, que acho ser bastante explicativo da atual situação do planeta.
Embora saibamos que não podemos fazer muita coisa, ou quase nada, mesmo assim tenho certeza que essa é uma boa oportunidade para alardearmos a crença em uma nova forma de levarmos nossas vidas. Defendermos em todos os lugares que estejamos e possamos ser
ouvidos novos parâmetros para a vida de todos nós.
Um pensamento sistêmico para uma vida compartilhada entre todos os seres desse planeta, inclusive a matéria inorgânica, pois precisamos dela também para viver. Só não precisamos é de falta, esquecimento, exclusão...
Luciano Vianna Muniz

Tem elefante voando
Por Marina Silva*

Sentados no barranco à beira do rio, dois mineiros pescam tranqüilamente quando passa um elefante voando. Olham, não fazem nenhum comentário e continuam pescando. Decorre um tempinho, lá vem outro elefante voando. Os mineiros olham e continuam pescando. Quando passa o terceiro elefante, um deles diz, apontando a direção de onde vinham: "cumpadre, o ninho deles deve ser prá lá". E o outro responde: "é verdade". E continuam pescando.

Elefantes voando é uma imagem apropriada para o impacto da crise financeira sobre as pessoas de fora do grande mundo da economia e da política global. A tensão reverberada pela mídia, o linguajar hermético, as previsões soturnas, tudo isso indica que algo muito diferente está em curso, mas não sabemos exatamente o quê.

O certo é que nunca vimos os elefantes tão agitados. Coisas muito graves devem estar acontecendo lá no ninho deles e, desconfiamos, em algum momento pagaremos a conta para que se recolham e tudo volte ao normal.

Se os mineiros da história popular não abrem a guarda nem nas situações mais incríveis, também mandam um recado interessante para as atuais circunstâncias: não perder pé da vida real e o domínio do espaço no qual somos alguém e nos relacionamos com as pessoas com base nos nossos
valores, amores, habilidades, sonhos, direitos e deveres. Este é o único chão palpável, a partir do qual podemos entender e reagir à lambança dos elefantes, sem nos fragilizarmos pelo pânico.

A dimensão da crise, embora seja impossível fazer previsões sobre sua duração ou capacidade de provocar estragos, além dos já evidentes, é algo que foge aos nossos parâmetros habituais. Escancara mecanismos de poder e vulnerabilidades do sistema, não perceptíveis em tempos de bonança. Temos medo e a certeza de que seremos atingidos pelas decisões dos senhores da economia, embora não saibamos bem quando nem como. Nos assustamos diante da quantidade de dinheiro mobilizada para reequilibrar um sistema financeiro que se mostra cada vez mais o território de grandes delinqüências, a ponto de abalar governos, decidir eleições e virar pelo avesso a vida da população do planeta. E nos sentimos impotentes, tomados pela sensação de
nada poder fazer, exceto aguardar pelos acontecimentos.

O fato é que estamos há muito tempo mergulhados na hipertrofia do mercado, cujo avanço sobre praticamente todos os domínios da vida subtraiu da política o papel de espaço público destinado às decisões de cidadãos livres, a respeito de assuntos de interesse coletivo.
A submissão da política à economia é um dos fatores do agravamento dos problemas sociais em escala mundial, visto que a lógica do bem público é constantemente subvertida e instrumentalizada pelo interesse mercantil. (O grifo é meu, impressionante este parágrafo).
O mercado não opera milagres, mas às vezes precisa deles. Como agora, quando expõe o alto grau de mistificação implícito em seus supostos mecanismos de defesa e nas propaladas virtudes da auto-regulação. Neste momento, em que mais se precisa da política, ela se mostra fraca, sem
substância, sem representatividade para enquadrar os procedimentos e conluios que desaguaram nesta situação insustentável.

Se existe algo positivo nesta conjuntura é a oportunidade de começar a mudar os parâmetros que têm levado a humanidade a uma rota destrutiva, cujo limite parece ter sido encontrado: a crença no poder auto-regulatório dos comportamentos individuais.

Deveríamos ter nos precavido. Afinal, não é de hoje que os elefantes estão voando.

*Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre
e ex-ministra do Meio Ambiente.

Um comentário:

Anônimo disse...

É claro que nós que estamos "Sentados no barranco à beira do rio" iremos pagar esta conta.
Todo esse sobe e desse das bolsas e desestabilização do mercado nada mas é do que o sistema financeiro tratando de se proteger, chantagiando os governos para não sairem no prejuizo.

Rogério Castro